Metade dos prefeitos da Baixada Fluminense possui imóvel em áreas nobres do estado

RIO — Os vizinhos do Heliporto de Nova Iguaçu, na Rua Paraná, no Jardim Iguaçu, já se acostumaram com a rápida mas rotineira passagem do prefeito Nelson Bornier pelo bairro de ruas esburacadas e calçadas tomadas pelo mato. Há dois anos, a localidade passou a integrar o trajeto do político, que vive num apartamento duplex em frente à Praia da Barra. Ele costuma sobrevoar a área a bordo de um helicóptero que usa para chegar ao trabalho. Bornier não é o único chefe do Executivo de um município da carente Baixada a manter residência na Barra da Tijuca. Dos 12 prefeitos da região, metade tem endereço em áreas nobres do estado, quase sempre na Barra.

Na lista dos prefeitos que têm domicílio eleitoral na Baixada, mas vivem na Barra, constam ainda Max Lemos (Queimados), Alexandre Cardoso (Duque de Caxias), Alessandro Calazans (Nilópolis) e Luciano Mota (Itaguaí). Sandro Matos, de São João de Meriti, não vive à beira-mar, mas mora num condomínio de casas de luxo em Jacarepaguá. Apenas Max, Alexandre e Alessandro, no entanto, declararam ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) os endereços fora das cidades que administram.
E se o domicílio eleitoral vale apenas para juiz ver, entre os moradores dos municípios não é novidade que os prefeitos morem fora. No bairro Ponte Preta, em Queimados, onde Max Lemos cresceu e costumava frequentar cultos na Igreja Batista, os antigos vizinhos sabem que o alcaide hoje mora num apartamento no Jardim Oceânico, na Barra. A assessoria de Lemos informa que o imóvel foi comprado por meio de financiamento e que o prefeito também possui residência na cidade da Baixada, onde vive parte de sua família.
Procurados pela reportagem, Alexandre Cardoso, Alessandro Calazans, Luciano Mota e Sandro Matos não se pronunciaram.
Para escapar do trânsito no percurso de 39 quilômetros entre a Barra e Nova Iguaçu, Bornier usa o helicóptero Esquilo, prefixo PR-HRC, que está em nome da São Marcos Terraplanagem e Construção. O prefeito não informou ao TRE sobre o apartamento onde vive no Atlântico Sul. Seu hábito de chegar e sair voando da cidade já virou motivo de piada entre os moradores, que lembram que uma de suas promessas de campanha era desatar o nó do trânsito na região:
— Pelo menos para ele, não há mais engarrafamento no caminho para o trabalho — ironiza o comerciante Ricardo Fernandes.

Na Padaria do Rafael, nos arredores do heliporto, onde os quatro seguranças do prefeito costumam tomar café enquanto aguardam a chegada do helicóptero, alguns contam que até aproveitam a rotina para tentar abordá-lo sobre problemas da cidade:
— Bornier sai direto da pista de pouso num Kia todo preto, que é acompanhado pelo carro dos seguranças. Uma vez, o vidro estava aberto e eu pedi para ele asfaltar uma rua do bairro, que estava muito esburacada. Mas nada foi feito — lembra o aposentado Enéas Pereira.
Com exceção de dois — Nestor Vidal (Magé) e Sandro Matos —, dez prefeitos de cidades da Baixada são alvos de inquéritos e processos, totalizando 24 procedimentos investigatórios. Desse total, Bornier é citado em seis deles, por supostas práticas de atos de improbidade administrativa, crime de responsabilidade e sonegação de impostos.
Bornier, por meio de nota, diz que as ações na justiça estadual e federal levantadas pelo GLOBO “não revelam qualquer fato novo de interesse público”. Ainda segundo a assessoria do prefeito, Bornier não foi condenado nas ações, sequer em primeira instância. O documento confirma que o prefeito “tem há duas décadas um imóvel no Rio para descanso”, sem mencionar a localização. Quanto ao uso do helicóptero, a nota informa que a aeronave “é gentilmente cedida por um amigo do empresário, que nada recebe em troca”.
Os demais prefeitos, em defesas encaminhadas aos órgãos responsáveis pelas investigações, negam qualquer prática ilegal.
ESPECIALISTA DEFENDE MECANISMO DE CONTROLE
O levantamento que mostra que 70% dos prefeitos de municípios do Estado do Rio são citados em investigações ou processos judiciais surpreendeu a diretora-executiva da Transparência Brasil, Natália Paiva. Ela observa que o resultado é muito superior ao percentual constatado em um estudo, elaborado por uma equipe da entidade, sobre os parlamentares da Câmara Federal.
— Nossa pesquisa revelou que 52% dos 513 deputados federais respondiam a algum tipo de investigação ou processo judicial. Comparando os levantamentos, o índice obtido pelo GLOBO, referente a prefeituras de cidades do Estado do Rio, surpreende por superar em quase 20% o verificado na Câmara — diz Natália.
Para a diretora-executiva da Transparência Brasil, os números apontam um quadro preocupante, mas, por outro lado, apontam que um esforço está sendo feito para frear desmandos por parte de políticos. Natália Paiva afirma, no entanto, que o quadro atual indica que “os prefeitos são quase como reis absolutistas”, que agem como se estivessem acima das leis e, sobretudo, ignoram os anseios de seus eleitores.
A diretora-executiva da Transparência Brasil alerta que ainda é preciso aumentar os mecanismos de controle das administrações municipais, sobretudo, no interior do país:
— Se, no Rio de Janeiro, 70% dos prefeitos são suspeitos de alguma prática de improbidade ou outros crimes, imagine o que acontece em estados das regiões Norte e Nordeste.


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